quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Quem acompanha meu blog sabe que dificilmente eu publico textos que não sejam meus. Mas hoje, cabe publicar aqui esse texto de Oswaldo Montenegro. Confesso que não sou fã dele, gosto de poucas coisas em seu trabalho, mas a singularidade desse texto me tomou de assalto e, embora muitas das pessoas que passam por aqui já o conheça, resolvi compartilhar minha entrega a essas palavras.

Srta. Marinho


Metade
(Oswaldo Montenegro)
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca pois metade de mim é o que eu grito mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada porque metade de mim é o que penso e a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que me lembro ter dado na infância porque metade de mim é a lembrança do que fuie a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e que o teu silêncio me fale cada vez mais porque metade de mim é abrigo mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma respostamesmo que ela não saiba e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer porque metade de mim é platéiae a outra metade é a canção.
E que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor e a outra metade também.

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